terça-feira, 4 de dezembro de 2018

O VELHO FILATELISTA (CONTO

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O VELHO FILATELISTA (conto)
Sendo ainda adolescente o destino permitiu que fosse trabalhar para uma freguesia mais a sul do distrito de Lisboa, onde o vinho era uma das riquezas do sítio.
O trabalho era variado, relacionado com a produção vinícola, apesar da juventude, já me considerava um mestre nessas tarefas, no entanto mais um ajudante dos trabalhos do campo, como muitos outros, que havia na zona.
A localidade, que se chama Miragaia, abundava a uva, da qual se produzia muito vinho tinto carrascão e em época de recessão económica, o lugar acolhia toda a classe de trabalhadores.
Então dizia-se, que ali se secava muito bagaço (casca da uva depois de espremida) e era por isso que se vivia bem.
Portanto Miragaia, no sul do Distrito de Lisboa, era uma localidade onde mesmo os pequenos proprietários, tinham o seu moço. De modo que ter o seu criado – normalmente procedente de fora – significava pertencer a outra classe de poder económico.
Havia criados de servir de distintas categorias, dependendo do nível moral ou riqueza dos amos.
Este criado que vos fala, ao ter como patrão um dos mais recomendáveis era considerado um servente de luxo, era assim que o tratava a patroa, Dona Eduarda. Notava-se em ocasiões que o mandava fazer certas tarefas, recomendando: “A pessoa com que tens de falar é muito esclarecida”.
Afinal, o cargo pressupunha algum prestígio a quem o exercia e consequentemente, a quem executava os serviços inerentes.
Ao cair da noite, diariamente, quando haviam acabado os afazeres, ia a uma espécie de café, um local que vendia tudo e durante o serão era ponto de encontro aberto a todos. Ali comprovava-se que democracia, não era apenas mais uma palavra, era a realidade dessa casa.
Convém assinalar que estávamos nos anos cinquenta do século XX.
Aquele local não era, pois, uma taberna qualquer, porque se podiam encontrar, à disposição a maioria dos periódicos, que se publicavam. Eram eles que me levavam para ler e andar informado, já faziam parte dos tempos livres.
Naquela época, parecia um trabalhador do campo dotado de grande sensibilidade e talvez devido à singular postura que sempre adoptava, durante essas leituras, numa dessas noites fui abordado pelo senhor Onofre.
Este, desde então, passou a ser grande amigo.
Vendo que me interessava um pouco por selos usados, o que lhe mereceu atenção especial, visto dispor de uma boa colecção de Portugal.
As estampilhas postais fascinavam-me e pensava que, com elas podia organizar uma colecção de muito interesse, mas tenho de reconhecer, nem sequer conhecer bem o termo filatelia e desconhecia existirem associações próprias de amigos dos selos.
A partir dessa nova amizade e a gente que conheci, graças a esse factor, converti-me em filatelista de que o velho Onofre é responsável, de que me dedicasse mais a esse maravilhoso mundo.
Onofre veio a perder a sua esposa, devido a enfermidade, mas tinha uma filha chamada Ercília, mais velha que eu, mas por quem tinha já uma grande estima, talvez mais uma espécie de amor. Seu pai não me desalentava, pelo contrário.
Daí passei a visitá-los amiúde e era sempre bem recebido. Cresceu a amizade, com a miúda, mas jamais passaria disso.
Depois de ter trabalhado em Miragaia, os regulares encontros passaram a pertencer ao passado, ficou a amizade e a recordação do velho Onofre e essas terras que o tempo acabou imortalizando, pois ali estava o berço dos dinoussários Lourinhasaurus, que pisaram muito essas terras, há milhões de anos atrás.
E o próprio Lourinhausarus está imortalizado pela filatelia, em etiquetas AMIEL.
De tempos a tempos fui visitando aquela família, e quando fui mobilizado para o Ultramar, fui despedir-me. Sempre revia a colecção, o orgulho desse coleccionador. Diria que considerava os álbuns como um símbolo de distinção, dado que era homem do campo.
Herdou muito desse património de um tio, que pertenceu ao exército e desenvolveu a colecção, tornando-a mais atractiva.
De facto, seria a única pessoa a quem a mostrava orgulhosamente, comentando o seu tesouro, formado por toda a série da rainha D. Maria II, os selos do Rei D. Pedro da primeira série de Santo António de Lisboa e muitos outros, tudo novo e impecável.
Passaram uns anos e um dia visitei o velho Onofre, com grande prazer, esperava o ritual de voltar a contemplar os álbuns. Então pude ver umas fotocópias, haviam substituído os selos, bem colocados como foram os originais.
Ercília olhou-me, com olhos que não sorriam como de costume, mostravam-se inertes e tristes. O meu estado de ânimo também estava em baixo, pois suspeitara de algo, mais tarde compreendi melhor o que ocorrera.
A proverbial placidez manteve-se, habitual nessas situações. Vi então que o velho Onofre havia perdido o sentido da vista, quase por completo e compreendi a via das fotocópias, para representarem os selos, como das peças originais se tratasse.
No final, sendo boa anfitriã, Ercília acompanhou-me à saída e foi quando pude saber o que havia ocorrido.
Devido a doença prolongada, o meu amigo Onofre a perder a vista e ao tratá-la iam-se esvaindo os recursos financeiros, mesmo bem administrados pela filha escasseavam, pelo que foi preciso recorrer a experts em filatelia, para equilibrar a economia e permitir que o velho pai, vivesse ao últimos anos da vida de forma digna.

Daniel Costa

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

FORAM FAVAS


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FORAM FAVAS

Camilo Castelo Branco titulou um dos seus livros, por RIQUEZA DO POBRE E POBREZA DO RICO.
A leitura do livro nos dá a explicação do porquê do título; é que os rico ao degustarem, por exemplo, uma refeição simples chama-lhe um manjar, tal como um pobre diz manjar, de uma lauta refeição de rico. A mesma que ele, rico, come diariamente.
Ora este paralelo, vem a propósito de um facto que eu protagonizei, no campo, na Bufarda, no sítio do Fanfarrão;
- Tinha 9 anos, estava já de férias escolares, ainda havia costaneiras (palha) de favas por apanhar, que faziam falta para aquecer o forno, a fim de cozer a fornada de pão de milho.
Pois bem, acompanhei a mãe para ajudar esta na sega das mesmas. As costaneiras das favas eram rijas até que, a determinada altura, na trajectória, deixei a foice desviar-se e o seu bico espetou-se na canela direita.
Agora, com a foice assim espetada, os seus dentes formavam uma espécie de arpão. Deu dores a sair, mas com a paciente ajuda da mãe, inevitavelmente foi extraída, depois de deixar um corte profundo e a sangrar bem.
Sempre paciente, a mãe lavou a ferida com urina que eu vertera e fez, de seguida, das favas que ainda ficaram em jeito de rabisco, descascou uma a fez colar na ferida.
Esta ficou e se pegou.
Resultado:
- O tratamento da ferida ficou feito, não doeu mais e só quando sarou e secou, por completo, a casca da fava caiu.

Daniel Costa



sábado, 1 de dezembro de 2018

OLHEM CAIU A AVIONETA

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OLHEM CAÍU A AVIONETA!... 

A interjeição saiu tal qual como menciona o título, em terras do Vale Medo, lado Oeste da Bufarda, mais propriamente do Casal Foz, Peniche, gritado em uníssono por um grupinho de trabalhadores, que o tio José Miguel trazia de jorna na hora do jantar (meio dia pelo sol hora do almoço nos centros urbanos).
Do pequeno grupo, que o tio tinha reunido orgulhosamente, por serem todos sobrinhos, de que também eu fazia parte. O objectivo era o de proceder à cava da sua vinha e pomar.
Estávamos em pleno mês Janeiro de 1958, o frio e o vento eram intensos, pelo que o jantar procedia-se no abrigo de uma caniceira a servir de protecção à vinha e árvores de fruto.
De repente ouviu-se o avião, que vinha a passar nos ares, o que era vulgar, já que se estava relativamente perto da base aérea da serra de Montejunto. Ao ouviu-se um estrondo, a reacção foi a de ver o que se passara afinal.
O aparelho estava despenhado, desfeito e espalhada a sua estrutura apenas a algumas dezenas de metros, no meio de uma enorme extensão plana, com culturas de trigo, que ainda estava pouco saído da superfície da terra.
Pensou-se no que teria acontecido ao ocupante ou ocupantes, por algumas horas não houve respostas, só a imaginação trabalhava.
Depois a verificação pesarosa da existência de um cadáver, no terreno. Era o da Nazaré, viúva do José Pão, que estava sozinha, na extensa planície a mondar trigo no terreno de um dos filhos. Naturalmente devido à intensidade do frio, não se avistava outra alma, sem dúvida a mulher estava no local errado à hora errada!... Coisas do destino, dizia muita gente que acorreu!...
Chegados perto da noite, soube-se que a avioneta trazia um só tripulante, este conseguira ejectar-se e munido de para quedas, caiu ileso num outro campo de trigo, também perto do mar a cerca de cinco quilómetros no Paimogo.
Os destroços da avioneta foram sendo encontrados por lavradores, a distâncias enormes, sendo recolhidas por estes, procurando empregá-los em proveito próprio.
Daniel Costa