terça-feira, 30 de outubro de 2018

POEMA DONA MICAS

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DONA MICAS

Na aldeia do Oeste
Num dia invernoso, agreste
Nuvens negras no céu
Tudo escuro como breu
O farol da Berlenga
E do Cabo Carvoeiro
A deitarem urros no éter
Alertando o marinheiro
Dirigindo-se mais ao timoneiro
Na costa a sul do Carvoeiro
Avistam-se ondas muito altas, medonhas
Ululam ao desfazerem-se na rocha
Fazendo estrondo como que a bater o pé
Pareciam dirigir-se a humanos sem fé
Dona Micas segue rua acima
Como que a visar os quatro moinhos
Cada vez mais a eles se arrima
Segue com o seu manto negro
Qual bruxa maldita, a meter medo
No cordame das velas dos moinhos
Assobiam búzios tristonhos
A bruxa, qual fantasma negro maldito
Vai distribuindo conselhos
Dizendo: é prenúncio do finito!
Ninguém acreditava na dita
Porque teriam esperança
Num Deus de justiça bendita

Daniel Costa

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

POEMA A VIDIMA

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 VINDIMA
Moita dos Ferreiros
Certa noite atravessei, numa Caminhada
Dirigia-me a uma vindimada
No Casal Torneiro
Ali perto do Bombarral
Mantimentos iam no bornal
O patrão Chico Bento
Encarregara de arranjar grupo
Ao Américo do Casal
Quinze dias, o desterro
Que soou a liberdade celestial
Dormir na palha era banal
Sustento, batatas cozidas
Chicharro seco e Sardinhada
Sardinha prateada, como se fora para banquete
Aparecia na madrugada
Consistia, em cortar uva, a jornada
De formosa ramada
Cada cesto de pau, quando cheio
Encosta acima a despejar na tina
Para o lagar era transportada
Dezasseis anos e da vida sabia nada
Ouvia historietas, ao som de sorrisos
Fixei uma bastante engraçada
Caso de infidelidade
Dizia o homem:
Vi, foi mesmo de pé, mulher danada
Retorquia esta:
Não gostaste de estar na taberna encantada?
Cesto vazio, cesto cheio
Encosta acima
Vindima terminada
Vinte e dois mil e quinhentos por jornada
O rapaz, se também merecia, os levava
A terminar, uma ceia de adiafa
Para a festa bacalhau, alto como nunca vi
Mais as batatas, grande tachada!
Na própria adega
Na goela, o forte tinto carrascão refrescava
Depois do adeus e da última dormida
O grupo, pelas mesmas vias, encetou a abalada.

Daniel Costa

domingo, 21 de outubro de 2018

POEMA AVENAL

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AVENAL

Desafiado pelo Toino Tchim
Um amigão, afinal
Bastantes dias, vinha, cavei
Na quinta do Avenal
Montados nas bicicletas
Íamos pelo Toxofal
Ali na padaria
Na do Carlos padeiro
Ainda madrugada
Adquiríamos o casqueiro
Da primeira fornada
Tomávamos o “Mata-bicho”
A manhã despontava
De bom vinho
A velha cornada
Dizia o caseiro:
Quem se negue, não é homem
Não é nada!...
A seguir iniciava-se a jornada
O caseiro estimulava
A cada nova rodada:
Quem se negue não é homem
Não é nada!...
Mais vinho servido na canada,
O copo feito de corno de boi
Passara a alvorada.

Daniel Costa

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

POEMA AS CONCHINHAS

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 POEMA AS CONCHINHAS

Ainda não havia chegado a televisão
Jogos e computadores, evidentemente não
Jogava-se a concha, o berlinde, o pião
Improvisado aparecia o jogo da semana
Com oito casas, riscava-se no chão
Os batos feitos de pedaços de caco
Arredondados na cantaria do vão
Jogava-se, para apurar o campeão
Era a vida, a da pequenada, a da ilusão
Para jogos não havia inventos, havia tempos
A professora dizia as fúrias, conforme os ventos
Todos tinham, para jogar, seus instrumentos,
Verdadeiros tesouros de inventos
Escasseavam nos bolsos as conchinhas
A jogar numa nóquinha, como se dizia então
Davam à costa e abundavam na Praia da Consolação
Acabadas as aulas, estava a começar o Verão
Tudo se muniu e a professora lá levou o pelotão
Cada qual apanhava o seu tesouro, o seu quinhão
Tudo mudou, não há conchinhas
Pena, porque estavam ali uns diamantes
A preencher os bornais das ilusões de então
Do jogo das conchinhas poucos se lembrarão
Mas lá está o extenso areal
Qual cosmopolita Copacabana de Portugal
Representando a Praia da Consolação

Daniel Costa

POEMA RECORDAÇÃO

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RECORDAÇÃO

Vou contar um segredo
Sentia frémito, suave vibração
Quando fui guardador de patos
Com a manada ia para o Val Medo
Ninhadas do tipo marrecos *
A mãe sempre criava
Em procura no ciclo da carôcha **
Do guardador porfiava
Na imensidão do campo
Guardar agradava
O mar em frente
No princípio do Verão
Os patos deglutiam o molusco
Com sofreguidão
O pastor olhava patos e vastidão
Podia entregar-se às nostalgias
Muito comuns então
Sonhava com outro mundo
O eterno desconhecido
Seria melhor de antemão
Aquele não o sentia cruel, não
Seria como um universo de papel
Ali andavam os patos
Não se cansavam
Sempre direitinhos
Engordavam como calmos gaiatos
Pareciam gostar da gamela
Muito juntinhos
Não precisavam de trela
Até que valiam vinte paus
Comprava-os o regateiro ***
O que, na sua carroça
Aparecia primeiro
O guardador ainda criança
Saberia ser feliz…
Agora, talvez um bom petiz!...

Daniel Costa

NOTAS:
* Raça de patos comuns
** Chama-se assim aos caracóis no concelho de Peniche
*** Corresponderia ao almocreve

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

OS ÚLTIMOS TRENS



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OS ÚLTIMOS TRENS

Ocorria a década de quarenta, o ano não sei precisar porém, talvez tenha sido em 1946, que se deu o enlace matrimonial entre a Carminha, filha de Zé “Reboneta” e da ti Ana, ajuntadeira de ovos, para um regateiro, que depois os recolhia, e o Armado, filho da senhora Nazaré cujo marido, não conheci, porque procurara melhor vida na Argentina.
A senhora Nazaré, viveu e criou os filhos, Armando, Pinto e “Cireta” naquela casa velha, ainda existente, no lado esquerdo da casa que, foi a loja do Veríssimo, agora estabelecimento de café.
Porque recordo este, de certo modo, estrondoso casamento?
Porque ali na aldeia da Bufarda, foi o último em que, para o transporte dos convidados, foram utilizados trens, puxados a cavalos.
Hoje seria “chic”, mas até a essa data não o era.
O único veículo automóvel que ali vi, era uma furgonete, com arberg de madeira do, industrial de moagem, que mandara construir uma dessas fábricas, em Geraldes, mais tarde transformada na residência do Arnaldo, do Zé Nau.
Um desses trens, era do Miguel ferrador, da Atouguia da Baleia.
Logo a seguir, aquele ferrador, já tinha automóvel de Praça e assim, continuou, a operar no transporte dos casamentos, que passaram a ser feitos de automóvel.
O enlace ficou na memória, não só pelos trens:
- Foi também, nessa festa que os confeitos, normalmente, bem esféricos, eram enfeitados de saliências (picos).
Estes eram, mais, os padrinhos a lançar ao rapazio, que os apanhava do chão, como guloseima.
Ninguém morria, nem morreu de os saborear assim, depois apanhados do chão areento e pisado, então, por animais domésticos de toda a ordem e pássaros vários.

Daniel Costa

domingo, 7 de outubro de 2018

CRUZAMENTO COM O CRIME


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CRUZAMENTO COM O CRIME



Se a estrada Peniche – Lisboa visava o transporte do pescado para a capital, era mister que o produto chegasse também a outras zonas do pais e nada como o caminho-de-ferro, o transporte por excelência do princípio de século passado.

No areal de Peniche, se bem me lembro, onde hoje se situa a zona portuária, pelo menos, ainda nos anos cinquenta, era possível detectar linhas assentes, por onde havia de circular o comboio. Fariam parte de uma estrutura planeada para o efeito.

O projecto foi abortado e vários abegões (tratadores e trabalhadores com bois) do concelho, com os seus bois jungidos aos respectivos carros, continuaram ainda a fazer o transporte para a estação ferroviária de S. Mamede, Bombarral.

Do porto de Peniche a S. Mamede, Bombarral, distarão cerca de quarenta quilómetros, percorridos em linha recta por entre declives vários, uma zona a que se dá o nome de Sezaredas, um comprido cerro onde abunda a pedra e muito mato.

Podemos calcular o quão era difícil a vida desses abegões, que tinham de se levantar de madrugado para tratar dos ruminantes. Porém o peixe, era mister chegar à estação para ser expedido para diversas zonas do país.

Na mesma época, o pastor de ovelhas, Francisco Caiado, a não regular bem da cabeça, cumpria serviço militar em Lisboa. 
A determinada altura veio à aldeia em gozo de férias. O transporte corrente, à época, era o comboio e a estação mais próxima da aldeia da Bufarda era a de S. Mamede distante dali, cerca de trinta quilómetros a corta mato.

Chegada a altura de se apresentar no quartel, meteu-se a caminho para a estação, invariavelmente, a de S. Mamede.

Naqueles tempos, os caminhos podiam ser perigosos, podia-se calcorrear os trinta quilómetros sem se avistar viva alma. No caso dos abegões, juntavam-se sempre vários que podiam partilhar ajudas, a dominar possíveis intempéries e outros perigos, numa assinalável entreajuda.

No caso, Francisco Caiado percorria o longo e perigoso caminho sozinho. Aconteceu que em determinada zona de matagal, saltaram-lhe dois meliantes ao caminho e apontaram para um caso macabro: metido mais adentro do mato estava um homem morto dependurado, este mesmo fardado estremeceu e disse mal à sua vida.

Encolhido, sem pinga de sangue, ouviu estes: “vocemecê conhece aquele homem que está ali dependurado”?

- Não!...
- apressou-se logo a dizer!

- Então siga o seu caminho, mas não diga a ninguém o que viu.

De imediato Francisco Caiado desandou e saiu dali, acelerando o passo.



(recolha do autor do próprio personagem principal e de um abegão).

Daniel Costa


segunda-feira, 1 de outubro de 2018

POEMA SENHORA DA BOA VIAGEM

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SENHORA DA BOA VIAGEM

Na varanda marquei Peniche e Berlenga
Posso parecer tolinho alucinado
Explico, haverá quem entenda
Se o vento sopra do norte
Olha-se a ilha levanta-se a tenda
Não chove, vê-se longe a Berlenga
No campo semeia-se o trigo
A ausência de chuva não será lenda
Do rural campo vem o pão
Do mar da vila o peixe
Depois vem o Verão
Todos em festa agradecem a Deus
Da Senhora da Boa Viagem a intercessão
Junto ao mar, no Alto da Vela
Ali à beira o gozo e a diversão
Festa e folia, pois então
No alto mar passará a procissão
Nos barcos, muitos vamos entrar
Fazer a viagem de adoração
Olhem-nos todos engalanados!...
Flâmulas e miríades de luzes
Nas águas reflectem um vistão
Seguem perfilados, passando o Carvoeiro
A meio percurso da Berlenga
Viram, como apontassem à Consolação
Num segue o andor com a Senhora
Ali vai Soberana, como protectora
Num outro a banda, tocando
Fazendo solene a ocasião
Já no cais a apoteose, com grande animação
Fogo de vista aquático e a emoção
Embevecida a Senhora da Boa Viagem
Também preside e pensará:
Adora-me este povão!...

Daniel Costa