sexta-feira, 28 de setembro de 2018

NOITES NOS BARES NA DOCA DE PENICHE


 A imagem pode conter: uma ou mais pessoas, pessoas em pé, céu, oceano, ar livre e água

NOITES NOS BARES DA DOCA DE PENICHE



Trago à colação algumas noites passadas entre os estabelecimentos de bar na antiga doca do porto de pesca de Peniche, no último lustro da década de cinquenta.          
Tinha dezasseis anos, a família era numerosa, contava com mais sete irmãos, chegado o Verão, o pai tratava de armazenar comestíveis para o Inverno, um deles era o peixe seco ou salgado comprado em tempos de abundância.  
No Verão, por haver fartura, do que resultava preços mais acessíveis e ainda por se poder aproveitar bem os raios solares para a secagem. Nem sequer se falava em frigoríficos domésticos.          
Havia, naquela época muito chicharro e sardinha, esperava-se que o preço baixasse, para o abastecimento. Chicharro a cinquenta centavos o par (disse bem, $50 o par), sardinha a dois escudos o quarteirão (era assim dita a contagem de vinte e cinco).        
Mesmo assim, eu e o meu irmão, imediatamente mais novo propusemos ao pai ir buscar o peixe a Peniche, para o que faríamos a viagem de cerca de dezoito quilómetros, ida e volta, a pé.     
Proposta aceite e lá nos começámos a deslocar, normalmente nas noites de Domingo.    
Andava-se com ligeireza e em pouco, estávamos a esperar que chegassem as muitas traineiras, a encher a grande extensão da descarga.
A espera, regra geral, era feita até madrugada passada nos bares a ver jogar dominó, assim como jogos mecânicos ou eléctricos, ler jornais sobretudo o "Diário Popular", que saindo de tarde, já trazia os resultados de todos os encontros de futebol.    
Notícias a porem-me muitas interrogações:

- Como era possível,  poucas horas após os jogos, chegarem num jornal as notícias dos respectivos resultados, como por exemplo do do Desportivo de Peniche, a militar então na segunda divisão, um escalão inferior?
Apenas interrogações, mas ali estava eu a contemplar realidades, que pareciam impossíveis. Afinal só conhecia a aldeia da Bufarda, onde nascera, trabalhava no campo e vivia.
As noites, cálidas do porto, com o seu mar sereno, os bares, a venda do pescado na lota tornavam-se uma festa de vida para um adolescente, já trabalhador na dureza do campo.
Madrugada fora, chegavam então as traineiras a abarrotar de pescaria e era ver a azáfama dos carregadores, em duo a transportar, numa vara em cabazes de verga com assas de cordel, todo o peixe.
Tecas feitas do mesmo; fruto do quinhão, distribuído por cada pescador, outras arranjadas que os mestres oferecessem a amigos, onde se contavam futebolistas do Desportivo de Peniche e ainda outras produzidas do que era, propositadamente, deixado cair por carregadores.
Todas estas no chão, rodeadas dos respectivos vendedores a negociar, com eventuais compradores, resultavam num chinfrim, uma animação impar na noite. Dado que estas actividades eram ilegais, rondavam guardas-fiscais, a fazer vista grossa aqui, a fechar os olhos acolá, a pôr em debandada além.
As pessoas a retirarem-se de imediato, para outro lado, sendo imposto apenas respeito, pois todos eram conhecidos mutuamente.
Eu e o meu irmão arranjávamos, cada, uma sacada, muitas vezes negociávamos tecas de sardinha ou Chicharro. Só comprávamos a espécie de carapau quando o preço baixava a vinte centavos o par ($20) = a 0.002 cêntimos de hoje.
Depois regressávamos, com o carregamento e a satisfação da noite animada, da antiga doca, do grandioso porto de pesca de Peniche.
Era uma festa!...

Talvez a festa da capacidade de sofrimento da dura vida, dos anos cinquenta.



Daniel Costa


quarta-feira, 26 de setembro de 2018

EU PESCADOR!... ME CONFESSO!...


 Tudo perfeito! !!!!!

EU PESCADOR!... ME CONFESSO!...



Confesso que ainda andava na escola primária, por vezes, fui apanhar lapas nas pedras do mar do Lagido. Assim se designa uma extensão de mar, bastante rochoso, em frente à aldeia da Bufarda – Peniche, a terra onde nasci e vivi até aos 24 anos.

Ao sabor das marés, para ali se deslocavam vários amadores, de aldeias vizinhas, com as suas negaças e camaroeiros.

O Lagido fica a cerca de quatro quilómetros da Bufarda, da minha casa, um por estrada, até ao Alto do Veríssimo. Ali atravessa-se a estrada, que vai de Torres Vedras a Peniche, passando por Lourinhã. Depois uma via de terra batida, de mais, cerca de três quilómetros até ao mar, no magnífico oceano do sítio.

Este situa-se entre a prainha, com marina, de Paimogo, no concelho da Lourinhã, a sul, a norte  o Porto da Bufarda, também do concelho de Peniche, perto da instância balnear de S. Bernardino.

Porque, “o trabalho do menino é pouco, quem o despreza é louco” - era necessária a dispensa do pai que, quando aprovava era porque ia como a tia Lourdes, e a ti Alzira, exímias pescadoras de navalheiras e polvos.

A tia Lourdes, era filha de pescador sazonal, o cedo falecido meu avô Foz e enteada de pescador profissional, a quem eu chamava, por avô Zé da Avó. A propensão para se dedicar à pesca, era pois hereditária. Da mesma, resultava algum sustento para a família.

A breve trecho, já eu me entregava à faina da pesca, daqueles moluscos, que acostavam ali naquele mar pedregoso.

A pesca do polvo e da navalheira, nem sempre corria bem, talvez porque se avizinharia, temperatura da água adversa, porém no que respeita à segunda em Abril era certo o ditado:

- “Em Abril sete no covil”.

Então nos dias de lua cheia, noites de maravilhoso luar, aproveitando as marés, segundo o Borda D’Água, passava-as na faina daquela pescaria. O ritual durava todos dias do quarto-crescente. Chegava a apanhar cerca de quarenta navalheiras / dia, que mesmo para família numerosa, como era a minha, ficava cheia daquele marisco de grandeza superior, tenho-o como de mais fino paladar que o da lagosta.

O polvo da zona, regra geral, havia todo o ano e era de excelente sabor, a quantidade é era sempre aleatória. A mãe sabia várias maneiras de o cozinhar e apresentar.

- Que petisco!...

Ambos eram animais muito parvos, caiam como tordos, por serem bem gulosos no acto de se lhes apresentar o isco.

Para a pesca do polvo, o isco era um rabo-de-bacalhau, uma sardinha salgada ou um caranguejo. Bastava arranca-los do buraco e zás!... Com as manápulas eram apanhados, tirado o interior da cabeça, o “ferrado”, que os fazia de imediato esmorecer, após o que se se introduziam num saco sempre trazido a tiracolo.

Para as navalheiras era diferente, o isco era uma enfiada de lapas ou minhocas, por vezes a ideal serrada (uma espécie de minhoca do mar). Esta carecia de bastante trabalho a retirar das pedras na vazante.

Com esse isco preso na ponta da negaça, um caniço descascado, escolhia-se um buraco, onde introduzia e com a mão a segurá-lo bem quietinho, esperava, que lá tivesse bicho e mordesse com a tenaz. Como já não largasse, puxava-se pendurado, para um outro apetrecho; um camaroeiro, normalmente, um cabo de vassoura, com um saco de rede na ponta, dependurado dum arco de arame.

Escusado será dizer que, todos os apetrechos eram artesanais e feitos por mim.

Também nas grandes marés de lua cheia, diurnas, cerca de Abril, montes de ouriços-do-mar davam ali à costa, todo o mundo, das aldeias vizinhas se deslocavam munidos de uma foice velha a apanhar a sua sacada, eu também, ou sacas, transportavam-se para casa às costas ou em dorso de burros.

Depois, em fogueiras ao ar livre, eram assados e abertos com as costas da foice.

Comidas as amareladas ovas experimenta-se um sabor divino, bem digno de banquete, de deusas e deuses.

Sempre presente a ideia de chegar mais longe: pescar peixes à cana, depois na maré cheia, o que foi conseguido. Assim: não havia cana-da-Índia ou de bambú, menos carreto, apenas cana escolhida numa caniceira. Houve a habitual e forçada poupança, para adquirir fio de nylon e anzóis. Estes foram comprados numa “quitanda” da aldeia vizinha, de Geraldes.

Depois foi preciso “empatar” ao anzóis, para o que aprendi a fazer, um autêntico nó de marinheiro!

Restava a chumbada, peso de chumbo, como o próprio nome diz. De um pedaço de chumbo que andava lá por casa; o derreti, depois esfriei numa concavidade, previamente, feita numa batata, moldada como o pretendido.

Passei então a alinhar com o Júlio, um rapaz mais velho. Sobretudo, aos Domingos passávamos o dia no mar. Levamos batatas, a cozer com água do mar, acompanhadas com algo que conseguíssemos apanhar: robalinhos, sarguetes ou bodions, etc.

Áh : devo dizer que a água do mar também necessita de sal, mas aquela torna as batatas muito mais saborosas.

Em determinada ocasião, nada apanhamos, o Júlio sugeriu a apanha de cabozes, um peixinho da babugem, com as negaças, ainda com o isco das navalheiras. O mar já chegava à rocha, entre mar e terra, porém ainda apanhámos, cada qual a sua teca.

Chegado a casa, a mãe disse:

Ainda há muito tempo, farei esse peixe para jantar, um pitéu, vais ver!...

Assim foi, nem imaginava!...

Algo de inusitado, um dia aconteceu: como pesqueiro, foi escolhida uma enorme rocha, a maré foi enchendo… Enchendo… Ao sairmos, a água quase tapava a minha pequenez, fruto da tenra idade. O Júlio já muito assustado, rapidamente atravessou a água comigo, aos ombros, mais os apetrechos e o fruto da pesca, que não tinha sido má.

Porém tudo acabou, estávamos fora de perigo.

Aspirámos profundamente, a brisa marítima e saímos a caminho de casa!...



Daniel Costa


















quarta-feira, 19 de setembro de 2018

HISTORIETAS

Texto alt automático indisponível.


HISTORIETAS

Andaria pelos meus doze anos, não mais, lá na terra era muito atento como sempre viria a ser.
No entanto havia muito respeito, por parte dos adultos, em relação a crianças ou mulheres.
As conversas um pouco mais picantes, como certas anedotas, passavam-se apenas nas tertúlias de Domingo à tarde, nas tabernas, entre homens.
Os rapazolas da minha idade eram imediatamente afastados, até porque nem tinham idade para as frequentar.
Porém a minha, então débil estrutura, dava para entrar no grupo e não sei como, teimava fazendo-me passar despercebido, ouvia tudo e interessava-me pelas conversas dos adultos.
Em breve era jeitoso a contar histórias e anedotas, então começara a ser chamado, quando aparecia o conhecido Berra, ou seja, o senhor Francisco José do Vale, o nome que ele próprio fazia questão de declinar.
Normalmente, quando aparecia o Berra, como um bom mestre sapateiro, vinha de fazer entregas de trabalhos, em aldeias vizinhas, onde bebia uns copos.
Então era vê-lo prazenteiro a contar saborosas histórias, bastantes que ele próprio tinha inventado, para o seu reportório, que se compunha das mais variadas.
Achava-o um sucesso, tão elevado, que eu próprio, ainda o vejo desfilar, ao imitar os seus trejeitos.
Em resumo, passei a actuar contracenando com o célebre sapateiro.
Tinha decorado muitas anedotas e histórias, juntava um certo jeito para as contar, que mais tarde perdi, talvez porque outras vidas passarem a ocupar o meu espírito.
Numa homenagem ao grande Francisco José do Vale, de quem fiquei admirador. Vou deixar duas, muito dele e que nunca esqueci. Uma é mais história, que anedota e tem algo de picante, com apenas uma palavra menos própria, repetida, Começa em F, mas que substituirei por LIXA porque, jamais me habituei a soltar palavras menos próprias.



HISTÓRIA:
 
Noutro tempo um lavrador que tinha três filhas, aquilo a que se poderiam chamar de estampas, contratou um criado para trabalhar nos seus campos agrícolas.
O criado era novo e esbelto. Era necessário levar-lhe o almoço, a tarefa recaiu numa das ingénuas filhas.
Era Verão e esta foi encontrá-lo nu, deitado de rabo para o ar.
Face à admiração, o criado disse que estava a apanhar banhos de sol, que eram de uma grande suavidade.
A rapariga ficou entusiasmada e disse que também queria.
Depois de deitada o criado disse:
- As mulheres têm dois furos, o sol entra num e logo sai pelo outro.
Só tapando um buraco, este se fixa!
O pobre do rapaz lá teve de tapar um, para que tudo desse certo.
A felicidade foi máxima.
Chegada a casa contou uma irrmã o sucedido, esta curiosa disse logo:
- Amanhã vou eu levar o almoço ao nosso criado!
A cena repetiu-se com muito agrado desta,
Tão satisfeita ficou, que logo disse à terceira irmã.
A mesma coisa:
- Amanhã levarei eu o almoço ao nosso criado.
Nova grande satisfação!
Passados nove meses, todas as rapariga, começaram a ficar agoniadas.
Os pais acharam por bem chamar o médico.
Ainda era o tempo, que estes, se deslocavam a cavalo.
O médico prendera o seu à entrada.
À saída não o encontrou, então retrocedeu e perguntou:
- Como se chamava o vosso criado?
Respondeu o pai:
- Lixa três!
Pois, agora fica a chamar-se lixa quatro!
Lixou cada uma das suas três filhas, que vão ter um filho cada uma e lixou-me a mim, que me roubou o cavalo!



A SEGUNDA É UMA ANEDOTA DO SEU ESPÍRITO INVENTIVO:

- Um dia, na época pascal, resolvo ir fazer a confissão de desobriga da Páscoa, mostrei não saber nada de religião.
Pergunta do padre:
- Sabe ao menos quem é Deus?
Sei Senhor padre!
Deus… Sou eu!
Como assim?
Indagou este!
É que a minha Cristina todos os dias, ao deitar, reza assim:
- Com Deus me deito e com Deus me levanto.
Ora ela deita-se sempre comigo!...


Daniel Costa

CONCERTAR LOIÇA POR GATEAMENTO



Aqui está uma travessa de um serviço de loiça da minha mãe, que guardo como recordação. Os cacos foram juntos por colagem, já não estava em casa. O resultado é um desastre, como se pode ver. Garanto que o arranjo feito por mim, pelo processo de gateamento, se vista a travessa deste jeito, não se notaria o arranjo.

CONCERTAR LOIÇA POR GATEAMENTO
 
Devo ter nascido otimista, isso deve ser uma das minhas facetas congénitas, Estou no direito de achar isso a minha principal qualidade, esperando mantê-la até ao fim.
Eis o preâmbulo desta charla, para que não se pense estar aqui um saudosista.
Não se trata disso, visto que adotei desde criança o lema - "recordar é viver".
Depois de ter saído da escola primária e de até já ter cumprido, a rogo do meu pai, alguns atos de votação, até para as presidenciais a eleger o Senhor Higino Craveiro Lopes, as circunstâncias e a própria índole levaram-me a nunca ter brincadeiras, que não fossem sérias imitações do quotidiano dos adultos.
Foi assim que, não teria mais de onze anos, comecei a restaurar a loiça que se partia em casa.
Daí foi nascendo alguma clientela e consequentemente os meus primeiros centavos.
Recordo que o meu poder de imaginação era pouco menos do que prodigioso, uma vez que a ferramenta existente era apenas um martelo.
Com o mesmo achatava pontas de velhos arames de aço, que metodicamente, enfiava em cabos de madeira da minha própria autoria.
A primeira ferramenta servia para bater velhos arames, achatando-os, partindo-os aos pedaços e dobrando-os em ângulos retos nas pontas.
Chamavam-se gatos.
Numa segunda fase, já com a broca fazia vários furos nos cacos da loiça. Depois unia os mesmos por inserção, desses “gatos”; feitos de pedacinhos de arame.
No fim alindava os mesmos com cal branca (havia sempre em casa), até que novo trambolhão os fizessem em bocadinhos mais exíguos, sem mais concerto.
Imaginação, para arranjar alguns cobres, estava sempre a aparecer!...
 
Daniel Costa

terça-feira, 18 de setembro de 2018

MARCENARIA DE IMAGINAÇÃO

 

Ainda se mantém estruturas de madeira que construí.


MARCENARIA DE IMAGINAÇÃO
 
A construção de jogos de matraquilhos, já era o dar asas ao que julgo fértil imaginação. Sendo tranquilo, sempre fui e continuo a ser bastante irrequieto, mentalmente.
Já tinha acabado a era dos brinquedos de caniço. Era já um rapaz e como tal o pensamento tinha evoluído. O sonho centrava-se agora na construção de uma mesa-secretária.
Para quem tem muito pouca idade, creio que apenas doze anos não mais, sem outros conhecimento que não sejam os ditados pela observação. Mesmo com o óbice da falta de recursos, nada me fazia demover.
Recorri, de novo à madeira de caixotes se sabão, ainda a matéria acessível ao meu bolso, comprado num merceeiro meu vizinho.
E então lá iniciei a construção da minha secretária. Até aí tudo bem, mas depois faltava dinheiro para comprar as ferragens para duas portas, que projectara, para a parte inferior.
Tudo devia sair como eu desejava, havia de haver um modo de o conseguir! Então ao outro dia, a trabalhar de enxada no campo, ajudando o pai, sempre circunspecto, fui pensando o modo de resolver o imbróglio.
A certa altura achei: as portas abririam por meio de calhas de madeira, que arranjaria modo de introduzir.
Criei pois, essas, por onde as portas deslizavam maravilhosamente bem.
Como qualquer mestre, depois pensei que uma segunda versão sairia melhor, aquela deixou de me satisfazer.
Agora já precisava de uma gillete para fazer a barba. Devo dizer que, erradamente era assunto que não preocupava o pai, embora já usufruísse do meu trabalho, não só de ajuda nos seus bocados de terra, como até já a ganhar oito escudos de jorna, em dias vagos.
Porém, certo dia, troquei a secretária por uma gillete, com um primo mais velho. Eis-me pela primeira vez a rapar os pelos da cara, que estavam muito precocemente a aparecer.
E juntado o útil ao agradável, logo comecei a construir nova mesa-secretária.
O dito popular: “quando acabamos uma obra, é que estamos preparados para a iniciar”, estava a fazer sentido.
Retenho um aspecto muito pessoal: eu não tinha nascido mesmo, para trabalhar no campo, como tudo fazia prever!
Interessavam-me aspectos diferentes, os que vim a abraçar.
A Secretária, aproveitada por um irmão, ainda existiu bastantes anos, até à sua prematura morte.
Depois o trabalhar madeira, de modo rudimentar e artesanal, seguiu sempre no meu espírito, visto que continuei com variadas construções naquele material.
Que me recorde: a seguir construí, para a minha mãe, um banco próprio para a almofada de fazer renda de bilros.
Depois um galinheiro e coelheira; a madeira foi da que se aproveitou da antiga e mais alguma comprada para lenha, donde foram escolhidos pedaços.
O pai que se alheara desfazia da minha capacidade de levar o projecto avante, apesar de se ter de rendido depois.
Manifestou-o quando a estrutura estava pronta. Curiosamente, a colocação do telhado estava a sair mal, ai o pai tomou a iniciativa de me ensinar, como o fazer bem.
Ainda nos anos setenta, construí todo o meu escritório de editor, na varanda à largura de todo o andar, que previamente mandara fechar com uma estrutura de alumínio e vidro.
Comprei a madeira, já nas medidas certas. A mesa foi uma bancada a meia largura, imediatamente atrás uma estante, outra num dos topos.
Mais caixas de madeira à medida de postais ilustrados, para guarda de variado material de filatelia ou outro que possuía e recebia, mormente para ilustração dos muitos artigos que publiquei.
Foi esse o meu habitat de editor e jornalista especializado em filatelia, durante cerca trinta anos.
Na segunda década do século XXI, maior parte da estrutura ainda existe.
 
Daniel Costa

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

FABRICANTE DE JOGOS DE MATRAQUILHOS

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FABRICANTE DE JOGOS DE MATRAQUILHOS

Nos anos cinquenta, do século passado, era recorrente em qualquer tasca haver jogo de matraquilhos.
Na aldeia da onde nasci e vivia, a umas dezenas de quilómetros a norte de Lisboa, um desses exemplares criava verdadeiros cracks.
Ver jogos era o gozo da miudagem, a quem faltavam os cinquenta centavos para participar.
Incapaz de não fazer qualquer coisa a propósito, inventei produzir a minha mesa de jogo.
Se bem pensei, melhor o fiz:
- Construído de uma peça velha de madeira, que havia pelo quintal, saiu o tabuleiro.
A representação dos vinte e dois jogadores, mais os suplentes, foi feita de bocados de madeira escolhidos e serrados, nas medidas exactas em conformidade, de montanos (molhos de ramos de pinheiros) dos que a mãe comprava para aquecer o forno a fim de cozer o pão,
Esses pedaços, foram rapidamente "burilados", com uma faca para constituírem os bonecos, que foram pintados das cores do Sporting e do Benfica.
A bola era regulamentar, andava lá por casa.
Ainda nesse Domingo do acabamento, o jogo funcionou no quintal, à vista de todos, porque era uma das minhas facetas mostrar a obra que fazia, só por isso.
No entanto atraiu a garotada, que depressa queria também jogar.
Claro que o facto trouxe nova dimensão e nesse próprio dia atribui o preço de dez centavos por cada jogo, composto de nove vezes que a bola entrasse na baliza.
Estava criada uma maneira de arranjar uns trocos, a mesa era muito rudimentar para o meu gosto.
Então fabriquei outro jogo com a madeira de caixotes de sabão.
Para os bonecos, não foi necessário alterar a forma, as cores tinham de sair das mesmas latas de tintas, era incomportável comprar outras.
Saíram as do Vitória de Setúbal e do Lusitano de Évora a militarem então, com algum prestígio, na primeira divisão.
Branco para os calções, como os do Benfica, riscas verdes verticais, para uns e verticais para outros.
Motivado, idealizei um terceiro jogo.
Desta vez, ainda com mais realismo, isto é:
- Já com todas as nove bolas, que ao entrar na baliza, encaminhavam-se para uma cavidade interna.
Saiam, para novo jogo por meio de um arame com um gancho numa das pontas entrando num furo. Dentro movimentava uma portinhola a fazer saírem as bolas.
Tinha entretanto, aprendido o princípio de ao meter a moeda saírem as bolas mecanicamente. Porém os meus rudimentares meios não davam para mais.
As equipas voltaram a ser, Sporting e Benfica.
Os varões eram já de caniço, porque deduzi que, afinal estava encontrado o melhor material, para o efeito.
Bonecos produzidos sempre da mesma maneira. O custo por jogo é que passou a vinte centavos.
O primeiro exemplar foi desactivado, enquanto simultaneamente ficaram a funcionar dois jogos.
Preços:
- Para todas as bolsas; um tostão e dois tostões.

Daniel Costa

domingo, 9 de setembro de 2018

O QUE É UMA GALENA

 Gisele Bündchen |@JoaoGogues
 
O QUE É UMA GALENA?

Muitos não saberáo o que foi um aparelho radiofónico, que julgo ter sido pouco utilizado, o qual tomou o nome de GALENA.
Pensando no assunto e porque me coube o privilégio de usar um desses receptores, proporcionando-me um período de rara felicidade, nos meus tempos de juventude.
Tentarei descrever o aparelhómetro.
Verificando vários diciónários e enciclopédias, não encontrei este nome, senão mencionando um metal como sendo um dos mais vulgares dos minerais de chumbo. Por outro lado, fazendo uma recolha, pude verificar serem os cristais de galena usados como dectetores na T.S.F.Depois destas breves pesquisas, concluì que a denominação de GALENA para o citado aparelho emissor de ondas de rádio, vem do metal galena, visto ser um pedaço desse, o principal elemento funcional da citada peça radiofónica.
Nos tempos em que utilizei o tal aparelho, porque foi na década de cinquenta, só a Emissora Nacional possuía capacidade de difusão, para se fazer ouvir com tão rudimentares recursos, que dispensava energia eléctrica. Lembro contudo de ter conhecimento da Rádo Graça, a difundir da Rua da Verónica e dos Emissores Associados de Lisboa. Concerteza haveria outros, ainda não existia TV em Portugal e a rádio sendo já uma "senhora", era uma coisa de real sedução.
Por isso a GALENA era uma verdadeira atracção, até pelo gozo que proporcionava, uma vez que era um autêntico "faça você mesmo". ainda muito míúdo lidava bem com a atraente geringonça!
Primeiro estendia um longo fio desde o cocoruto de uma árvore até uma janela, que havia no sótão. Antes da entrada, três elementos de louça ligados com a ponta do fio, evitavam qualquer contacto entre a parede e o mesmo, daí derivava a ligação para para o interior. Depois uma extensão segura a uma pedra enterrada no chão, fazendo a necessária "terra" a completar o exterior. Chegado o Verão, tornava-se necessário regar o chão, afim de ser criada a humidade nesessária ao contacto com as ondas de rádio.
Aquilo era de uma simplicidade que, por falta de uma parte dos elementos, começou por funcionar apenas com fios, com ligações aérea e terráquia, a uma ficha cada, uma das quais ligada a um pedacinho de galena, a outra estabelecia o contacto com a Emissora, com a busca de qualquer saliência a dar essa possibilidade. Um auscultador apenas fazia chegar a emissão ao tímpano respectivo, que por sua vez só era audível com aquele elemento pegado mesmo ao ouvido.
Mais tarde chegou o resto do material, que se resumia a quatro tabuinhas, com as quais foi montada uma caixa própria encimada com um pequeno rolo de vidro, onde era introduzido o tal pedaço de galena e uma espécie de monitor, composto por um fio de forma encaracolada. Ficava mais prática, rodando a peça, a forma de entrar no som do posto da Rádio Nacional. A mesma estrutura ficava a constituir o rudimentar rádio, já tinha acopladas as respectivas ligações referidas anteriormente.
Evidentemente que hoje, por puro entretenimento, ainda se podia montar um destes sistemas tanto mais que já cheguei a ver apresentado um exemplar num célebre programa de televisão, que dava pelo nome de 1-2-3.
Claro que para montar o esquema, seria necessário espaço abundante, fora de zonas citadinas, porque nestas é reduzido.
No entanto com a vivência dos dias de hoje não se pode pôr algo do género em equação, basta ver que a rádio de há cinco décadas, nem funcionava todo o dia, não havia ainda satélites, para se ter no ar todas as transmissões efectuadas actualmente, por tudo e por nada, em todo o mundo moderno.

Daniel Costa