CRUZAMENTO COM O CRIME
Se a estrada Peniche – Lisboa visava o transporte do
pescado para a capital, era mister que o produto chegasse também a outras zonas
do pais e nada como o caminho-de-ferro, o transporte por excelência do
princípio de século passado.
No areal de Peniche, se bem me lembro, onde hoje se
situa a zona portuária, pelo menos, ainda nos anos cinquenta, era possível
detectar linhas assentes, por onde havia de circular o comboio. Fariam parte de
uma estrutura planeada para o efeito.
O projecto foi abortado e vários abegões (tratadores e
trabalhadores com bois) do concelho, com os seus bois jungidos aos respectivos
carros, continuaram ainda a fazer o transporte para a estação ferroviária de S.
Mamede, Bombarral.
Do porto de Peniche a S. Mamede, Bombarral, distarão
cerca de quarenta quilómetros, percorridos em linha recta por entre declives
vários, uma zona a que se dá o nome de Sezaredas, um comprido cerro onde abunda
a pedra e muito mato.
Podemos calcular o quão era difícil a vida desses
abegões, que tinham de se levantar de madrugado para tratar dos ruminantes.
Porém o peixe, era mister chegar à estação para ser expedido para diversas
zonas do país.
Na mesma época, o pastor de ovelhas, Francisco Caiado,
a não regular bem da cabeça, cumpria serviço militar em Lisboa.
A determinada
altura veio à aldeia em gozo de férias. O transporte corrente, à época, era o comboio
e a estação mais próxima da aldeia da Bufarda era a de S. Mamede distante dali,
cerca de trinta quilómetros a corta mato.
Chegada a altura de se apresentar no quartel, meteu-se
a caminho para a estação, invariavelmente, a de S. Mamede.
Naqueles tempos, os caminhos podiam ser perigosos,
podia-se calcorrear os trinta quilómetros sem se avistar viva alma. No caso dos
abegões, juntavam-se sempre vários que podiam partilhar ajudas, a dominar
possíveis intempéries e outros perigos, numa assinalável entreajuda.
No caso, Francisco Caiado percorria o longo e perigoso
caminho sozinho. Aconteceu que em determinada zona de matagal, saltaram-lhe
dois meliantes ao caminho e apontaram para um caso macabro: metido mais adentro
do mato estava um homem morto dependurado, este mesmo fardado estremeceu e
disse mal à sua vida.
Encolhido, sem pinga de sangue, ouviu estes: “vocemecê
conhece aquele homem que está ali dependurado”?
- Não!...
- apressou-se logo a dizer!
- Então siga o seu caminho, mas não diga a ninguém o
que viu.
De imediato Francisco Caiado desandou e saiu dali,
acelerando o passo.
(recolha do autor do próprio personagem principal e de
um abegão).
Daniel Costa
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