A MAGIA DOS BRINQUEDOS
Devia
ter apenas cinco anos de idade, quando numa última interacção nas
brincadeiras dos filhos, o meu pai construiu para mim um carrinho de
bois de caniço.
Como magia, bastou para a minha aprendizagem, a ponto de em casa não mais terem faltado construções de brinquedos de caniço.
De facto estes brinquedos artesanais estavam, em exposição na escola primária que funcionava perto da minha casa.
Seria a professora que, achando naquelas peças algo do folclore local, tratou de promover a sua mostra dependurando, estrategicamente vários numa das paredes da sala de aula.
Possuí variados daqueles brinquedos, todos imaginados e executados por mim próprio.
Era assim uma aldeia do Oeste desse tempo, onde dominava um certo atraso e pobreza, em virtude de estar-se ainda a viver o fim da Segunda Guerra Mundial, o açúcar ainda se adquiria por racionamento.
Ainda me acho capaz de indicar como se executavam os carrinhos de bois de caniço.
A ferramenta era apenas o que havia à mão, uma faca de cozinha, com o indispensável bico, com a mesma se faziam os respectivos cortes no caniço seco, consistiam no seguinte:
- Dois pedaços à medida, compunham as partes laterais, um bastante maior fazia o centro da estrutura, enquanto em conjunto formava o cabeçalho (varal) do carro.
Nos dois pedaços iniciais, faziam-se buracos com o bico da mesma, de modo a que ficassem rectangulares só do lado de dentro. No centro os furos eram executados dos dois lados.
Na mesma direcção a meio, nos vértices, por debaixo dos dois primeiros pedaços, faziam-se furos mais pequenos de onde iam partir as estruturas para o rodado.
Posto isto, dum outro pedaço tiravam-se as chamadas travessas, que constavam de caniços rachados, tinham de encaixar bem em todos os buracos, ficando assim feita a estrutura do carrinho:
- Às travessas dava-se a função de, outra vez com bocados de caniço lascado, tamanho igual e entrelaçados, a construir o estrado.
A seguir dava-se a construção do inevitável rodado, ia-se aos furos que se tinham inserido noutro ângulo e com quatro pequenos pedaços, dois de cada lado, eram metidos outros tantos pequenos nacos mais finos, que teriam de ficar salientes.
As rodas já não eram de caniço, mas sim de madeira, tirada de carrinhos de linhas, que serviam para executar rendas de bilros de Peniche, actividade muito vulgar naquele tempo, nas tarefas das donas da casa do citado concelho.
Sempre a mesma faca, separava o interior dos citados, que imitavam muito bem as rodas, ligando-as depois com eixo feito também de caniço.
Desse modo, o brinquedo era uma verdadeira obra artesanal, enquanto naífe.
A vulgaridade da faina agrícola da época, com os carros movidos por juntas de bois, serviam de preciosos modelos, para fazer funcionar a imaginação de um pequeno construtor de brinquedos.
No que servia de cabeçalho do carrinho, podia construir-se outro furo na ponta final, para se introduzir um elemento móvel ali chamado chavelha.
A mesma em que se amarraria a canga que jungia os bois, no caso imitada por dois bocados, sempre de caniço, sendo o sítio das patas feito apenas com um corte diagonal. Para imitar os chifres, dois furos nas pontas, onde se introduziam já aguçados, pedaços do mesmo material.
Com tudo pronto ainda se podiam, por meio de furos introduzir fueiros móveis, para tornar a imitação o brinquedo mais credível.
Depois entrei em nova fase e dos caniços, separava pedaços para fazer outros brinquedos, como assobios, pífaros, moinhos de vento, etc.
Com rachas, em pedaços com cerca de meio metro, eram feitas uma espécie de castanholas. Com batimentos secos, feitos com a parte anterior da mão, davam uma música, mesmo de caniço rachado.
Por fim já adolescente, sendo o meu pai pequeno lavrador, cultivando os seus pedaços de terra, levava tudo à moda dos ancestrais, ignorando alguma modernização, que seria conveniente introduzir.
Chegado o Outono o pai fazia também a sua água-pé.
Era um caso sério para a abrir. A todos os argumentos, respondia que ainda não estava bem "cozida" (fervida), porque era uma bebida mais forte do que outras já provadas.
A partir disso era letra morta qualquer argumentação. Inventei então um pequeno truque:
- Mais uma vez, um pedaço de caniço, com as zonas nodosas interiores obliteradas, por meio de um arame, formando como que uma palhinha com mais caudal que, metida na parte de cima do barril e chupada, sugava-se um verdadeiro "champanhe saloio", quiçá o melhor do mundo.
Foi a maneira de se poder fazer a prova, o pai nunca se apercebeu da descoberta do verdadeiro ovo de Colombo.
Isto sendo folclore local, também teria a ver com o facto daquela planta poácia, igual à cana, mas mais fina, existir em abundância naquela região à beira mar, onde se pode notar sempre uma brisa marinha, que obriga as terras de vinha, por exemplo, serem abrigadas por sebes de caniço seco, afim de ser protegida a produção de uvas.
Tudo isto se passou numa fase de meninice, talvez precoce, na aldeia da Bufarda, no concelho de Peniche.
Asseguro que as minhas brincadeiras tinham sempre algo em comum com a realidade, que vivida então, com a maior seriedade deste mundo, como se não estivesse a viajar no tempo do faz de conta.
Como magia, bastou para a minha aprendizagem, a ponto de em casa não mais terem faltado construções de brinquedos de caniço.
De facto estes brinquedos artesanais estavam, em exposição na escola primária que funcionava perto da minha casa.
Seria a professora que, achando naquelas peças algo do folclore local, tratou de promover a sua mostra dependurando, estrategicamente vários numa das paredes da sala de aula.
Possuí variados daqueles brinquedos, todos imaginados e executados por mim próprio.
Era assim uma aldeia do Oeste desse tempo, onde dominava um certo atraso e pobreza, em virtude de estar-se ainda a viver o fim da Segunda Guerra Mundial, o açúcar ainda se adquiria por racionamento.
Ainda me acho capaz de indicar como se executavam os carrinhos de bois de caniço.
A ferramenta era apenas o que havia à mão, uma faca de cozinha, com o indispensável bico, com a mesma se faziam os respectivos cortes no caniço seco, consistiam no seguinte:
- Dois pedaços à medida, compunham as partes laterais, um bastante maior fazia o centro da estrutura, enquanto em conjunto formava o cabeçalho (varal) do carro.
Nos dois pedaços iniciais, faziam-se buracos com o bico da mesma, de modo a que ficassem rectangulares só do lado de dentro. No centro os furos eram executados dos dois lados.
Na mesma direcção a meio, nos vértices, por debaixo dos dois primeiros pedaços, faziam-se furos mais pequenos de onde iam partir as estruturas para o rodado.
Posto isto, dum outro pedaço tiravam-se as chamadas travessas, que constavam de caniços rachados, tinham de encaixar bem em todos os buracos, ficando assim feita a estrutura do carrinho:
- Às travessas dava-se a função de, outra vez com bocados de caniço lascado, tamanho igual e entrelaçados, a construir o estrado.
A seguir dava-se a construção do inevitável rodado, ia-se aos furos que se tinham inserido noutro ângulo e com quatro pequenos pedaços, dois de cada lado, eram metidos outros tantos pequenos nacos mais finos, que teriam de ficar salientes.
As rodas já não eram de caniço, mas sim de madeira, tirada de carrinhos de linhas, que serviam para executar rendas de bilros de Peniche, actividade muito vulgar naquele tempo, nas tarefas das donas da casa do citado concelho.
Sempre a mesma faca, separava o interior dos citados, que imitavam muito bem as rodas, ligando-as depois com eixo feito também de caniço.
Desse modo, o brinquedo era uma verdadeira obra artesanal, enquanto naífe.
A vulgaridade da faina agrícola da época, com os carros movidos por juntas de bois, serviam de preciosos modelos, para fazer funcionar a imaginação de um pequeno construtor de brinquedos.
No que servia de cabeçalho do carrinho, podia construir-se outro furo na ponta final, para se introduzir um elemento móvel ali chamado chavelha.
A mesma em que se amarraria a canga que jungia os bois, no caso imitada por dois bocados, sempre de caniço, sendo o sítio das patas feito apenas com um corte diagonal. Para imitar os chifres, dois furos nas pontas, onde se introduziam já aguçados, pedaços do mesmo material.
Com tudo pronto ainda se podiam, por meio de furos introduzir fueiros móveis, para tornar a imitação o brinquedo mais credível.
Depois entrei em nova fase e dos caniços, separava pedaços para fazer outros brinquedos, como assobios, pífaros, moinhos de vento, etc.
Com rachas, em pedaços com cerca de meio metro, eram feitas uma espécie de castanholas. Com batimentos secos, feitos com a parte anterior da mão, davam uma música, mesmo de caniço rachado.
Por fim já adolescente, sendo o meu pai pequeno lavrador, cultivando os seus pedaços de terra, levava tudo à moda dos ancestrais, ignorando alguma modernização, que seria conveniente introduzir.
Chegado o Outono o pai fazia também a sua água-pé.
Era um caso sério para a abrir. A todos os argumentos, respondia que ainda não estava bem "cozida" (fervida), porque era uma bebida mais forte do que outras já provadas.
A partir disso era letra morta qualquer argumentação. Inventei então um pequeno truque:
- Mais uma vez, um pedaço de caniço, com as zonas nodosas interiores obliteradas, por meio de um arame, formando como que uma palhinha com mais caudal que, metida na parte de cima do barril e chupada, sugava-se um verdadeiro "champanhe saloio", quiçá o melhor do mundo.
Foi a maneira de se poder fazer a prova, o pai nunca se apercebeu da descoberta do verdadeiro ovo de Colombo.
Isto sendo folclore local, também teria a ver com o facto daquela planta poácia, igual à cana, mas mais fina, existir em abundância naquela região à beira mar, onde se pode notar sempre uma brisa marinha, que obriga as terras de vinha, por exemplo, serem abrigadas por sebes de caniço seco, afim de ser protegida a produção de uvas.
Tudo isto se passou numa fase de meninice, talvez precoce, na aldeia da Bufarda, no concelho de Peniche.
Asseguro que as minhas brincadeiras tinham sempre algo em comum com a realidade, que vivida então, com a maior seriedade deste mundo, como se não estivesse a viajar no tempo do faz de conta.
Daniel Costa
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