Os meus avós paternos
BOLECA COM OVO
Tinha,
precisamente, cinco anos e meio de idade, era Domingo de Páscoa, a
minha mãe logo de manhã mandou-me a casa do avô buscar uma garrafa de
vinagre.
O
abastecimento de vinagre, lá em casa, era sempre da adega dos avós
paternos, que mantinham um barril com o mesmo, feito da sua produção de
vinho.
Tudo bem portanto!
Havia
ainda dois tios solteiros, saudando-me com certa euforia disseram, como
se isso aos meus olhitos de criança fosse alguma coisa de outro mundo:
- À tarde vêm cá todos, hoje é Domingo de Páscoa e a avô fez bolecas com ovo e vai dar uma a cada neto!...
- Resposta minha, com ar de irradiante felicidade:
- Não preciso, a mãe também cozeu ontem e fez uma boleca para cada filho!...
- Tios em uníssono, com ar pouco amigo:
- Ah… não precisas!...
- E, a avó está tão contente por ver e presentear o conjunto dos netos!...
-
O ar de pura reprovação, e ensinou-me algo. Mais tarde, pensei que
aconteceu uma humilhação, mais que inadequada para uma criança de tão
tenra idade.
Aqueles
meus tios não tiveram o mínimo de sensibilidade para sentir a criança
de índole “fresca”, ao mesmo tempo humilde que eu era.
Na altura, nem conhecia a palava, mas senti-me humilhado, sobretudo com o tom de voz.
Humilhado a tal ponto que a mãe à tarde, muito procurou por mim mas em vão, já não me encontrou.
Até que resolveu ir a casa dos avós com os outros três filhos, sem mim o mais velho.
Segui a mãe à distância, sem ser visto. Não pude deixar de me comover, porque senti a grande preocupação da minha mãe.
Com o assunto arrumado, logo me instalei, tristonho, em casa.
Fazia
parte da reunião, a professora, que vinda de Alcafache, a Dona Justina,
era amiga da casa e consequentemente, considerada pelos avós.
É pelo facto dela lecionar ali naquele ano, que preciso exatamente a minha idade.
Quando equaciono o caso, verifico que os meus avós, nem sequer se dignaram entregar à mãe uma boleca, para mim, outro erro!
Passaram umas boas dezenas de anos e nunca esqueci o fato. Fixado na memória, jamais esquecerei o transe.
Não
dei uma reposta correta, tanto mais que a educação austera, diria mais
conventual paterna, não se coadunava, mas afinal eu era uma inocente
criança e devia haver certo cuidado de aproveitar a oportunidade,
tendente a um ensinamento prático, que decerto eu aceitaria de bom
grado.
Adultos a humilhar traquinices de criança, a falar à mesma considero errado.
Um
miúdo quer-se aberto, os adultos têm de ter por força, a preparação
para observar o pensamento delas e tentar corrigir sem humilhar.
Se uma criança diz não gosto de ti, não vamos responder a dizer:
- Também não gosto, calha mesmo bem!
Porque não fazê-lo de outro modo?
Dizendo:
- Gostarei sempre de ti!...
Normalmente a criança olha, vê-se nela a sensação de um certo prazer, como quem diz - afinal sou estimada!
E dar prazer aos outros, sobretudo a crianças, é agradável!
O ensinamento, sem se ver, persistirá e ficará sempre no seu íntimo, como gratificante.
Naquele
caso, a memória que guardo destes tios é a de que nunca os deixei de
olhar de soslaio, quero dizer, de modo nada positivo.
Boleca com
ovo, feita nos meus anos quarenta, com mais ou menos arte, era o nome
dado na aldeia do meu nascimento a um tipo de pão branquinho, de farinha
de trigo, mais pequeno cozido com um ou dois ovos, um dos modos, com
que padrinhos, tios, avós ou pais distinguiam a sua petizada pela
Páscoa.
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