sexta-feira, 28 de setembro de 2018

NOITES NOS BARES NA DOCA DE PENICHE


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NOITES NOS BARES DA DOCA DE PENICHE



Trago à colação algumas noites passadas entre os estabelecimentos de bar na antiga doca do porto de pesca de Peniche, no último lustro da década de cinquenta.          
Tinha dezasseis anos, a família era numerosa, contava com mais sete irmãos, chegado o Verão, o pai tratava de armazenar comestíveis para o Inverno, um deles era o peixe seco ou salgado comprado em tempos de abundância.  
No Verão, por haver fartura, do que resultava preços mais acessíveis e ainda por se poder aproveitar bem os raios solares para a secagem. Nem sequer se falava em frigoríficos domésticos.          
Havia, naquela época muito chicharro e sardinha, esperava-se que o preço baixasse, para o abastecimento. Chicharro a cinquenta centavos o par (disse bem, $50 o par), sardinha a dois escudos o quarteirão (era assim dita a contagem de vinte e cinco).        
Mesmo assim, eu e o meu irmão, imediatamente mais novo propusemos ao pai ir buscar o peixe a Peniche, para o que faríamos a viagem de cerca de dezoito quilómetros, ida e volta, a pé.     
Proposta aceite e lá nos começámos a deslocar, normalmente nas noites de Domingo.    
Andava-se com ligeireza e em pouco, estávamos a esperar que chegassem as muitas traineiras, a encher a grande extensão da descarga.
A espera, regra geral, era feita até madrugada passada nos bares a ver jogar dominó, assim como jogos mecânicos ou eléctricos, ler jornais sobretudo o "Diário Popular", que saindo de tarde, já trazia os resultados de todos os encontros de futebol.    
Notícias a porem-me muitas interrogações:

- Como era possível,  poucas horas após os jogos, chegarem num jornal as notícias dos respectivos resultados, como por exemplo do do Desportivo de Peniche, a militar então na segunda divisão, um escalão inferior?
Apenas interrogações, mas ali estava eu a contemplar realidades, que pareciam impossíveis. Afinal só conhecia a aldeia da Bufarda, onde nascera, trabalhava no campo e vivia.
As noites, cálidas do porto, com o seu mar sereno, os bares, a venda do pescado na lota tornavam-se uma festa de vida para um adolescente, já trabalhador na dureza do campo.
Madrugada fora, chegavam então as traineiras a abarrotar de pescaria e era ver a azáfama dos carregadores, em duo a transportar, numa vara em cabazes de verga com assas de cordel, todo o peixe.
Tecas feitas do mesmo; fruto do quinhão, distribuído por cada pescador, outras arranjadas que os mestres oferecessem a amigos, onde se contavam futebolistas do Desportivo de Peniche e ainda outras produzidas do que era, propositadamente, deixado cair por carregadores.
Todas estas no chão, rodeadas dos respectivos vendedores a negociar, com eventuais compradores, resultavam num chinfrim, uma animação impar na noite. Dado que estas actividades eram ilegais, rondavam guardas-fiscais, a fazer vista grossa aqui, a fechar os olhos acolá, a pôr em debandada além.
As pessoas a retirarem-se de imediato, para outro lado, sendo imposto apenas respeito, pois todos eram conhecidos mutuamente.
Eu e o meu irmão arranjávamos, cada, uma sacada, muitas vezes negociávamos tecas de sardinha ou Chicharro. Só comprávamos a espécie de carapau quando o preço baixava a vinte centavos o par ($20) = a 0.002 cêntimos de hoje.
Depois regressávamos, com o carregamento e a satisfação da noite animada, da antiga doca, do grandioso porto de pesca de Peniche.
Era uma festa!...

Talvez a festa da capacidade de sofrimento da dura vida, dos anos cinquenta.



Daniel Costa


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