Ainda se mantém estruturas de madeira que construí.
MARCENARIA DE IMAGINAÇÃO
A
construção de jogos de matraquilhos, já era o dar asas ao que julgo
fértil imaginação. Sendo tranquilo, sempre fui e continuo a ser bastante
irrequieto, mentalmente.
Já
tinha acabado a era dos brinquedos de caniço. Era já um rapaz e como
tal o pensamento tinha evoluído. O sonho centrava-se agora na construção
de uma mesa-secretária.
Para
quem tem muito pouca idade, creio que apenas doze anos não mais, sem
outros conhecimento que não sejam os ditados pela observação. Mesmo com o
óbice da falta de recursos, nada me fazia demover.
Recorri, de novo à madeira de caixotes se sabão, ainda a matéria acessível ao meu bolso, comprado num merceeiro meu vizinho.
E
então lá iniciei a construção da minha secretária. Até aí tudo bem, mas
depois faltava dinheiro para comprar as ferragens para duas portas, que
projectara, para a parte inferior.
Tudo
devia sair como eu desejava, havia de haver um modo de o conseguir!
Então ao outro dia, a trabalhar de enxada no campo, ajudando o pai,
sempre circunspecto, fui pensando o modo de resolver o imbróglio.
A certa altura achei: as portas abririam por meio de calhas de madeira, que arranjaria modo de introduzir.
Criei pois, essas, por onde as portas deslizavam maravilhosamente bem.
Como qualquer mestre, depois pensei que uma segunda versão sairia melhor, aquela deixou de me satisfazer.
Agora
já precisava de uma gillete para fazer a barba. Devo dizer que,
erradamente era assunto que não preocupava o pai, embora já usufruísse
do meu trabalho, não só de ajuda nos seus bocados de terra, como até já a
ganhar oito escudos de jorna, em dias vagos.
Porém,
certo dia, troquei a secretária por uma gillete, com um primo mais
velho. Eis-me pela primeira vez a rapar os pelos da cara, que estavam
muito precocemente a aparecer.
E juntado o útil ao agradável, logo comecei a construir nova mesa-secretária.
O dito popular: “quando acabamos uma obra, é que estamos preparados para a iniciar”, estava a fazer sentido.
Retenho um aspecto muito pessoal: eu não tinha nascido mesmo, para trabalhar no campo, como tudo fazia prever!
Interessavam-me aspectos diferentes, os que vim a abraçar.
A Secretária, aproveitada por um irmão, ainda existiu bastantes anos, até à sua prematura morte.
Depois
o trabalhar madeira, de modo rudimentar e artesanal, seguiu sempre no
meu espírito, visto que continuei com variadas construções naquele
material.
Que me recorde: a seguir construí, para a minha mãe, um banco próprio para a almofada de fazer renda de bilros.
Depois
um galinheiro e coelheira; a madeira foi da que se aproveitou da antiga
e mais alguma comprada para lenha, donde foram escolhidos pedaços.
O pai que se alheara desfazia da minha capacidade de levar o projecto avante, apesar de se ter de rendido depois.
Manifestou-o
quando a estrutura estava pronta. Curiosamente, a colocação do telhado
estava a sair mal, ai o pai tomou a iniciativa de me ensinar, como o
fazer bem.
Ainda
nos anos setenta, construí todo o meu escritório de editor, na varanda à
largura de todo o andar, que previamente mandara fechar com uma
estrutura de alumínio e vidro.
Comprei
a madeira, já nas medidas certas. A mesa foi uma bancada a meia
largura, imediatamente atrás uma estante, outra num dos topos.
Mais
caixas de madeira à medida de postais ilustrados, para guarda de
variado material de filatelia ou outro que possuía e recebia, mormente
para ilustração dos muitos artigos que publiquei.
Foi esse o meu habitat de editor e jornalista especializado em filatelia, durante cerca trinta anos.
Na segunda década do século XXI, maior parte da estrutura ainda existe.
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