EU PESCADOR!... ME CONFESSO!...
Confesso que ainda andava na
escola primária, por vezes, fui apanhar lapas nas pedras do mar do Lagido.
Assim se designa uma extensão de mar, bastante rochoso, em frente à aldeia da
Bufarda – Peniche, a terra onde nasci e vivi até aos 24 anos.
Ao sabor das marés, para ali
se deslocavam vários amadores, de aldeias vizinhas, com as suas negaças e
camaroeiros.
O Lagido fica a cerca de
quatro quilómetros da Bufarda, da minha casa, um por estrada, até ao Alto do
Veríssimo. Ali atravessa-se a estrada, que vai de Torres Vedras a Peniche,
passando por Lourinhã. Depois uma via de terra batida, de mais, cerca de três
quilómetros até ao mar, no magnífico oceano do sítio.
Este situa-se entre a
prainha, com marina, de Paimogo, no concelho da Lourinhã, a sul, a norte o
Porto da Bufarda, também do concelho de Peniche, perto da instância balnear de
S. Bernardino.
Porque, “o trabalho do menino
é pouco, quem o despreza é louco” - era necessária a dispensa do pai que,
quando aprovava era porque ia como a tia Lourdes, e a ti Alzira, exímias
pescadoras de navalheiras e polvos.
A tia Lourdes, era filha de
pescador sazonal, o cedo falecido meu avô Foz e enteada de pescador
profissional, a quem eu chamava, por avô Zé da Avó. A propensão para se dedicar
à pesca, era pois hereditária. Da mesma, resultava algum sustento para a família.
A breve trecho, já eu me
entregava à faina da pesca, daqueles moluscos, que acostavam ali naquele mar
pedregoso.
A pesca do polvo e da
navalheira, nem sempre corria bem, talvez porque se avizinharia, temperatura da
água adversa, porém no que respeita à segunda em Abril era certo o ditado:
- “Em Abril sete no covil”.
Então nos dias de lua cheia,
noites de maravilhoso luar, aproveitando as marés, segundo o Borda D’Água,
passava-as na faina daquela pescaria. O ritual durava todos dias do
quarto-crescente. Chegava a apanhar cerca de quarenta navalheiras / dia, que
mesmo para família numerosa, como era a minha, ficava cheia daquele marisco de
grandeza superior, tenho-o como de mais fino paladar que o da lagosta.
O polvo da zona, regra geral,
havia todo o ano e era de excelente sabor, a quantidade é era sempre aleatória.
A mãe sabia várias maneiras de o cozinhar e apresentar.
- Que petisco!...
Ambos eram animais muito
parvos, caiam como tordos, por serem bem gulosos no acto de se lhes apresentar
o isco.
Para a pesca do polvo, o isco
era um rabo-de-bacalhau, uma sardinha salgada ou um caranguejo. Bastava
arranca-los do buraco e zás!... Com as manápulas eram apanhados, tirado o
interior da cabeça, o “ferrado”, que os fazia de imediato esmorecer, após o que
se se introduziam num saco sempre trazido a tiracolo.
Para as navalheiras era
diferente, o isco era uma enfiada de lapas ou minhocas, por vezes a ideal
serrada (uma espécie de minhoca do mar). Esta carecia de bastante trabalho a
retirar das pedras na vazante.
Com esse isco preso na ponta da
negaça, um caniço descascado, escolhia-se um buraco, onde introduzia e com a
mão a segurá-lo bem quietinho, esperava, que lá tivesse bicho e mordesse com a
tenaz. Como já não largasse, puxava-se pendurado, para um outro apetrecho; um camaroeiro,
normalmente, um cabo de vassoura, com um saco de rede na ponta, dependurado dum
arco de arame.
Escusado será dizer que,
todos os apetrechos eram artesanais e feitos por mim.
Também nas grandes marés de
lua cheia, diurnas, cerca de Abril, montes de ouriços-do-mar davam ali à costa,
todo o mundo, das aldeias vizinhas se deslocavam munidos de uma foice velha a
apanhar a sua sacada, eu também, ou sacas, transportavam-se para casa às costas
ou em dorso de burros.
Depois, em fogueiras ao ar
livre, eram assados e abertos com as costas da foice.
Comidas as amareladas ovas
experimenta-se um sabor divino, bem digno de banquete, de deusas e deuses.
Sempre presente a ideia de
chegar mais longe: pescar peixes à cana, depois na maré cheia, o que foi
conseguido. Assim: não havia cana-da-Índia ou de bambú, menos carreto, apenas
cana escolhida numa caniceira. Houve a habitual e forçada poupança, para
adquirir fio de nylon e anzóis. Estes foram comprados numa “quitanda” da aldeia
vizinha, de Geraldes.
Depois foi preciso “empatar”
ao anzóis, para o que aprendi a fazer, um autêntico nó de marinheiro!
Restava a chumbada, peso de
chumbo, como o próprio nome diz. De um pedaço de chumbo que andava lá por casa;
o derreti, depois esfriei numa concavidade, previamente, feita numa batata,
moldada como o pretendido.
Passei então a alinhar com o
Júlio, um rapaz mais velho. Sobretudo, aos Domingos passávamos o dia no mar.
Levamos batatas, a cozer com água do mar, acompanhadas com algo que
conseguíssemos apanhar: robalinhos, sarguetes ou bodions, etc.
Áh : devo dizer que a água do
mar também necessita de sal, mas aquela torna as batatas muito mais saborosas.
Em determinada ocasião, nada
apanhamos, o Júlio sugeriu a apanha de cabozes, um peixinho da babugem, com as
negaças, ainda com o isco das navalheiras. O mar já chegava à rocha, entre mar
e terra, porém ainda apanhámos, cada qual a sua teca.
Chegado a casa, a mãe disse:
Ainda há muito tempo, farei esse
peixe para jantar, um pitéu, vais ver!...
Assim foi, nem imaginava!...
Algo de inusitado, um dia
aconteceu: como pesqueiro, foi escolhida uma enorme rocha, a maré foi enchendo…
Enchendo… Ao sairmos, a água quase tapava a minha pequenez, fruto da tenra
idade. O Júlio já muito assustado, rapidamente atravessou a água comigo, aos
ombros, mais os apetrechos e o fruto da pesca, que não tinha sido má.
Porém tudo acabou, estávamos
fora de perigo.
Aspirámos profundamente, a
brisa marítima e saímos a caminho de casa!...
Daniel Costa
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