quarta-feira, 26 de setembro de 2018

EU PESCADOR!... ME CONFESSO!...


 Tudo perfeito! !!!!!

EU PESCADOR!... ME CONFESSO!...



Confesso que ainda andava na escola primária, por vezes, fui apanhar lapas nas pedras do mar do Lagido. Assim se designa uma extensão de mar, bastante rochoso, em frente à aldeia da Bufarda – Peniche, a terra onde nasci e vivi até aos 24 anos.

Ao sabor das marés, para ali se deslocavam vários amadores, de aldeias vizinhas, com as suas negaças e camaroeiros.

O Lagido fica a cerca de quatro quilómetros da Bufarda, da minha casa, um por estrada, até ao Alto do Veríssimo. Ali atravessa-se a estrada, que vai de Torres Vedras a Peniche, passando por Lourinhã. Depois uma via de terra batida, de mais, cerca de três quilómetros até ao mar, no magnífico oceano do sítio.

Este situa-se entre a prainha, com marina, de Paimogo, no concelho da Lourinhã, a sul, a norte  o Porto da Bufarda, também do concelho de Peniche, perto da instância balnear de S. Bernardino.

Porque, “o trabalho do menino é pouco, quem o despreza é louco” - era necessária a dispensa do pai que, quando aprovava era porque ia como a tia Lourdes, e a ti Alzira, exímias pescadoras de navalheiras e polvos.

A tia Lourdes, era filha de pescador sazonal, o cedo falecido meu avô Foz e enteada de pescador profissional, a quem eu chamava, por avô Zé da Avó. A propensão para se dedicar à pesca, era pois hereditária. Da mesma, resultava algum sustento para a família.

A breve trecho, já eu me entregava à faina da pesca, daqueles moluscos, que acostavam ali naquele mar pedregoso.

A pesca do polvo e da navalheira, nem sempre corria bem, talvez porque se avizinharia, temperatura da água adversa, porém no que respeita à segunda em Abril era certo o ditado:

- “Em Abril sete no covil”.

Então nos dias de lua cheia, noites de maravilhoso luar, aproveitando as marés, segundo o Borda D’Água, passava-as na faina daquela pescaria. O ritual durava todos dias do quarto-crescente. Chegava a apanhar cerca de quarenta navalheiras / dia, que mesmo para família numerosa, como era a minha, ficava cheia daquele marisco de grandeza superior, tenho-o como de mais fino paladar que o da lagosta.

O polvo da zona, regra geral, havia todo o ano e era de excelente sabor, a quantidade é era sempre aleatória. A mãe sabia várias maneiras de o cozinhar e apresentar.

- Que petisco!...

Ambos eram animais muito parvos, caiam como tordos, por serem bem gulosos no acto de se lhes apresentar o isco.

Para a pesca do polvo, o isco era um rabo-de-bacalhau, uma sardinha salgada ou um caranguejo. Bastava arranca-los do buraco e zás!... Com as manápulas eram apanhados, tirado o interior da cabeça, o “ferrado”, que os fazia de imediato esmorecer, após o que se se introduziam num saco sempre trazido a tiracolo.

Para as navalheiras era diferente, o isco era uma enfiada de lapas ou minhocas, por vezes a ideal serrada (uma espécie de minhoca do mar). Esta carecia de bastante trabalho a retirar das pedras na vazante.

Com esse isco preso na ponta da negaça, um caniço descascado, escolhia-se um buraco, onde introduzia e com a mão a segurá-lo bem quietinho, esperava, que lá tivesse bicho e mordesse com a tenaz. Como já não largasse, puxava-se pendurado, para um outro apetrecho; um camaroeiro, normalmente, um cabo de vassoura, com um saco de rede na ponta, dependurado dum arco de arame.

Escusado será dizer que, todos os apetrechos eram artesanais e feitos por mim.

Também nas grandes marés de lua cheia, diurnas, cerca de Abril, montes de ouriços-do-mar davam ali à costa, todo o mundo, das aldeias vizinhas se deslocavam munidos de uma foice velha a apanhar a sua sacada, eu também, ou sacas, transportavam-se para casa às costas ou em dorso de burros.

Depois, em fogueiras ao ar livre, eram assados e abertos com as costas da foice.

Comidas as amareladas ovas experimenta-se um sabor divino, bem digno de banquete, de deusas e deuses.

Sempre presente a ideia de chegar mais longe: pescar peixes à cana, depois na maré cheia, o que foi conseguido. Assim: não havia cana-da-Índia ou de bambú, menos carreto, apenas cana escolhida numa caniceira. Houve a habitual e forçada poupança, para adquirir fio de nylon e anzóis. Estes foram comprados numa “quitanda” da aldeia vizinha, de Geraldes.

Depois foi preciso “empatar” ao anzóis, para o que aprendi a fazer, um autêntico nó de marinheiro!

Restava a chumbada, peso de chumbo, como o próprio nome diz. De um pedaço de chumbo que andava lá por casa; o derreti, depois esfriei numa concavidade, previamente, feita numa batata, moldada como o pretendido.

Passei então a alinhar com o Júlio, um rapaz mais velho. Sobretudo, aos Domingos passávamos o dia no mar. Levamos batatas, a cozer com água do mar, acompanhadas com algo que conseguíssemos apanhar: robalinhos, sarguetes ou bodions, etc.

Áh : devo dizer que a água do mar também necessita de sal, mas aquela torna as batatas muito mais saborosas.

Em determinada ocasião, nada apanhamos, o Júlio sugeriu a apanha de cabozes, um peixinho da babugem, com as negaças, ainda com o isco das navalheiras. O mar já chegava à rocha, entre mar e terra, porém ainda apanhámos, cada qual a sua teca.

Chegado a casa, a mãe disse:

Ainda há muito tempo, farei esse peixe para jantar, um pitéu, vais ver!...

Assim foi, nem imaginava!...

Algo de inusitado, um dia aconteceu: como pesqueiro, foi escolhida uma enorme rocha, a maré foi enchendo… Enchendo… Ao sairmos, a água quase tapava a minha pequenez, fruto da tenra idade. O Júlio já muito assustado, rapidamente atravessou a água comigo, aos ombros, mais os apetrechos e o fruto da pesca, que não tinha sido má.

Porém tudo acabou, estávamos fora de perigo.

Aspirámos profundamente, a brisa marítima e saímos a caminho de casa!...



Daniel Costa


















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